Símbolo do Rio, botos-cinza estão ameaçados na Baía de Sepetiba
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Símbolo do Rio, botos-cinza estão ameaçados na Baía de Sepetiba
Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha da UFRJ diz que população desses animais na região pode cair à metade até 2026
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03/12/2023
Poluição diminui botos-cinza na Baía de Sepetiba — Foto: UFRJ
Em busca de comida, oito botos-cinza desaparecem nas profundezas da Baía de Sepetiba, na Zona Oeste do Rio, entre a Ilha de Jaguanum e a faixa de areia conhecida como Ponta da Pombeba. Eles passam cerca de 25 minutos submersos. De acordo com pesquisadores, há dez anos essa mesma cena, testemunhada no local, reunia um grupo muito mais numeroso. E, em bem menos tempo — de cinco a dez minutos —, todos voltavam à superfície saciados. A dificuldade para encontrar alimentos e o aumento da poluição e de doenças explicam por que a espécie, símbolo da cidade, presente no brasão do Rio, está ameaçada de extinção.
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Doença e poluição
Um estudo do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que acompanha a vida desses mamíferos desde 1994, aponta que, até 2026, a população de botos-cinza na região, hoje estimada em mil exemplares, pode ser reduzida à metade. A ação dos cientistas para evitar o pior se intensificou quando, há cinco anos, cetáceos foram contaminados pelo vírus da morbilivirose: a doença, que não é transmitida para humanos, matou 170 botos-cinza nas baías de Sepetiba e da Ilha Grande. Desde 2018, ainda segundo os pesquisadores, pelo menos outros 300 botos morreram por causa da contaminação da água.
— Os botos-cinza, há mais de 30 anos, sobrevivem nas águas de Sepetiba. Antes, o rito de caçada deles resumia-se em se separar no fundo da baía, bater a calda na água e fazer longos saltos. E capturavam grandes cardumes, o que já não se vê mais na região — afirma Rodrigo Tardin, professor do Departamento de Ecologia da UFRJ.
Poluição modifica tática alimentar de botos-cinza na Baía de Sepetiba, espécie ameaçada de extinção — Foto: Editoria de arte jornal O GLOBO
As atuais longas jornadas pela sobrevivência deixam os animais à beira da exaustão — o que se reflete na baixa taxa de emissão de sons no mar: os botos estão se comunicando menos.
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A equipe de reportagem do GLOBO acompanhou a expedição que, no último dia 9, reuniu cientistas da UFRJ e representantes do projeto Darwin200, iniciativa global idealizada pelo ambientalista Stuart McPherson, do Reino Unido, que busca capacitar 200 jovens em todo o mundo para torná-los atores ativos na conservação do planeta. Nessa missão em conjunto, os pesquisadores observaram que, entre os muitos inimigos do boto-cinza, estão o fluxo de embarcações no Porto de Itaguaí e as obras de dragagem na Baía de Sepetiba, que buscam abrir canais de passagem para navios de grande calado. A retirada de sedimentos movimenta metais pesados que envenenam a fauna local.
— Tem muito metal pesado, como mercúrio e cobre, que, em contato com a água, fica no fundo da baía e se solidifica. Com a dragagem, essas e outras substâncias sobem e afetam toda a Baía de Sepetiba. A situação prejudica a gente e os bichos — explica Rodrigo Tardin.
Poluição reduz número de botos-cinza na Baía de Sepetiba
O professor também chama atenção para o impacto das intervenções no meio ambiente sobre a reprodução dos botos-cinza. Ele conta que o vaivém de embarcações no Estaleiro da Marinha e no Porto de Itaguaí dificulta a ecolocalização: o som emitido pelos golfinhos debaixo d’água deveria facilitar a comunicação entre os animais, mas é prejudicado pelo ruído das embarcações.
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A equipe de reportagem do EXTRA acompanhou a expedição que, no último dia 9, reuniu cientistas da UFRJ e representantes do projeto Darwin200, iniciativa global idealizada pelo ambientalista Stuart McPherson, do Reino Unido, que busca capacitar 200 jovens em todo o mundo para torná-los atores ativos na conservação do planeta. Nessa missão em conjunto, os pesquisadores observaram que, entre os muitos inimigos do boto-cinza, estão o fluxo de embarcações no Porto de Itaguaí e as obras de dragagem na Baía de Sepetiba, que buscam abrir canais de passagem para navios de grande calado. A retirada de sedimentos movimenta metais pesados que envenenam a fauna local.
— Tem muito metal pesado, como mercúrio e cobre, que, em contato com a água, fica no fundo da baía e se solidifica. Com a dragagem, essas e outras substâncias sobem e afetam toda a Baía de Sepetiba. A situação prejudica a gente e os bichos — explica Rodrigo Tardin.
O professor também chama atenção para o impacto das intervenções no meio ambiente sobre a reprodução dos botos-cinza. Ele conta que o vaivém de embarcações no Estaleiro da Marinha e no Porto de Itaguaí dificulta a ecolocalização: o som emitido pelos golfinhos debaixo d’água deveria facilitar a comunicação entre os animais, mas é prejudicado pelo ruído das embarcações.
Isolados do grupo
A diminuição da população de botos-cinza, somada às dificuldades que os cetáceos enfrentam até para se encontrar, resulta na formação de grupos menores e na constatação de que alguns animais passaram a viver sozinhos. Essas práticas são pouco comuns, afirmam os especialistas: golfinhos são conhecidos justamente por serem altamente sociáveis.
Na expedição feita no início de novembro, drones e GPS foram utilizados para registrar as trajetórias percorridas pelos botos-cinza. É possível, desta forma, identificar os lugares que os animais costumam procurar para se reproduzir e se alimentar.
— Os golfinhos começam a chegar à maturidade sexual por volta de 5, 6 anos. Têm um filhote por vez. A gestação demora de 11 a 12 meses e ocorre em um intervalo de dois a três anos. Por isso, um ambiente como o da baía é tão importante, para ser usada tanto para alimentação quanto para reprodução — afirma Tomaz Cezimbra, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia, da UFRJ.
Os botos-cinza (Sotalia guianensis) estão atualmente ameaçados de extinção. Na Baía de Sepetiba, segundo os especialistas, era comum encontrar grupos de 45 animais, em média, nadando e caçando juntos. Hoje, essas formações não passam de 16 indivíduos. Mapeá-los nas águas de Sepetiba tem sido um desafio cada vez maior para pesquisadores, que se preocupam com os problemas ecológicos que afetam o bioma da região.
Usinas termelétricas
A discussão de medidas para a preservação da vida marinha na Baía de Sepetiba ganhou componente polêmico com a construção de um complexo de usinas termelétricas contratado via leilão emergencial da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O debate vem sendo travado desde março de 2022, quando o projeto da empresa turca Kapowership foi aprovado. A companhia conseguiu a Licença de Operação (LO) do empreendimento, concedida pelo Instituto Estadual de Ambiente do Rio (Inea). Era a última etapa para o início das operações de quatro usinas flutuantes, com capacidade de 560 megawatts de geração, suficiente para abastecer três milhões de residências. Mas, desde então, o projeto enfrenta obstáculos judiciais. Chegou a ser embargado, em julho de 2022, e, no mês seguinte, numa nova decisão judicial suspendendo a anterior, obteve a liberação.
Em nota, o Inea diz que, atualmente,”vem acompanhando a operação deste empreendimento e, de acordo com as vistorias técnicas realizadas e nos relatórios de monitoramento apresentados, verifica-se que a empresa está operando em conformidade, no que diz respeito ao licenciamento ambiental”.
Ainda assim, virou alvo de muitas reclamações de moradores do entorno da baía. Uma das ações é do Ministério Público Federal. Outra é do Ministério Público do Rio.
As preocupações de ambientalistas e pescadores miram o licenciamento da primeira fase da obra, que foi concedido mesmo sem a realização de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima). A situação fere obrigações legais e até o próprio entendimento do corpo técnico do Inea, responsável pela autorização, que classificou o empreendimento, durante o processo de análise, como sendo de “impacto significativo” e de “potencial poluidor alto”. Os botos-cinza seguem sob ameaça, mas não são os únicos em perigo.