Improviso, ‘gatos’ de energia elétrica, alagamento e problemas sanitários: a dura realidade dos barracões da Série Ouro

Improviso, ‘gatos’ de energia elétrica, alagamento e problemas sanitários: a dura realidade dos barracões da Série Ouro

14 de fevereiro de 2025 0 Por redacao

Resgatadas do incêndio que, na quarta-feira, atingiu uma confecção em Ramos, na Zona Norte do Rio, nove pessoas seguiam internadas ontem, em estado grave, com queimaduras nas vias aéreas provocadas por inalação de fumaça tóxica. As chamas fizeram vítimas, destruíram fantasias que estavam sendo preparadas para desfiles de escolas de samba e expuseram a precariedade das condições de trabalho nos bastidores do carnaval carioca. Sinais da dura realidade de quem produz o luxo aplaudido no Sambódromo estão à vista em outros lugares da cidade. Dentro dos barracões onde são montadas as alegorias da Série Ouro — última categoria antes do cobiçado Grupo Especial, a elite dos desfiles —, se multiplicam casos de improviso arriscado, para a obtenção de energia elétrica, por exemplo, além de alagamentos e problemas sanitários.

Risco de curto-circuito

A Arranco do Engenho de Dentro, uma das 16 agremiações que este ano vão desfilar na Série Ouro, já passou por pelo menos três barracões. No endereço atual, na região central, as condições melhoraram em relação aos pousos anteriores, mas ainda estão longe do ideal.

— A parte elétrica do barracão é completamente improvisada. Mas já melhorou muito, tiramos fios pendurados e os que ofereciam riscos. Porém, a gente não pode ligar, por exemplo, duas máquinas ao mesmo tempo porque pode haver curto-circuito — relata um trabalhador a serviço do carnaval da Arranco.

No espaço usado pela escola, os funcionários dividem apenas um banheiro com dois vasos funcionando. Nesses dias de calor, a sala de reunião torna-se impraticável. Estima-se que a reforma do local custe R$ 180 mil, sendo que a maior parte do orçamento seria destinada à instalação elétrica. Esse valor equivale ao da produção de um carro inteiro para o desfile — o que talvez explique por que, mesmo após algumas melhorias, o local segue repleto de fios espalhados pelo chão e ligações improvisadas com extensões.

Na Região Portuária, um galpão abriga barracões de diversas escolas da Série Ouro. No espaço ocupado pela Inocentes de Belford Roxo, um trabalhador revela que, em dias de chuva, “é melhor ficar do lado de fora”. Quem passa em frente pode constatar a razão da escolha, vendo a fiação exposta e a má conservação das instalações.

— O carnaval do grupo de acesso é muito precário. Uma ou duas escolas têm um barracão melhor, mas o resto enfrenta condições muito complicadas. Há problemas de iluminação, questões sanitárias e estruturais. Tanto que, quando chove, é melhor estar do lado de fora do que dentro. Já perdemos pinturas por causa da água, e todos saem correndo para pegar lonas e cobrir os materiais. Tivemos muitos prejuízos. São poucos os profissionais que aceitam trabalhar nessas condições — disse um funcionário da escola, que também reclamou da total ausência de estrutura dos banheiros.

Além da chuva, o calor intenso do Rio é motivo de sofrimento para os envolvidos na produção da festa. A maioria dos barracões percorridos pelo GLOBO é fechada e abafada. O uso de maquinário torna o ambiente ainda mais desconfortável, principalmente porque ligar ventiladores nem sempre é uma opção: o vento direcionado pode comprometer o manuseio de adereços e a colagem de materiais.

— Infelizmente, as pessoas que fazem o carnaval já estão habituadas a essas condições insalubres. É a triste realidade de uma festa construída por trabalhadores negros, pessoas que precisam desse dinheiro e se sujeitam a situações degradantes para garantir o sustento por alguns meses — lamenta outro profissional do setor.

Trabalho no ‘Carandiru’

Uma fonte envolvida na produção do carnaval reforça as críticas à estrutura da Série Ouro, mas observa que a situação é ainda pior na Estrada Intendente Magalhães, que, em março, será palco para 30 escolas da Série Prata e 22 da Série Bronze:

— Na Intendente Magalhães, as alegorias são construídas em um barracão conhecido como “Carandiru”. O carnaval é visto como a grande festa da alegria, mas, por trás disso, é produzido em um espaço com esse nome. Isso não está certo — afirma.

Cidade do Samba 2

O grande sonho comum a todos envolvidos na festa é a construção da Cidade do Samba 2. O prefeito Eduardo Paes informou na quarta-feira que as obras ainda estão em estágio inicial. O orçamento, de R$ 194 milhões, será usado para a construção de 14 galpões em uma parte do terreno da antiga estação de trens da Leopoldina. A previsão é que as intervenções estejam prontas no carnaval de 2027.

— A Fábrica do Samba é uma necessidade. Ainda está muito no início, na fase de sondagem — disse o prefeito anteontem, ao visitar o local do incêndio em Ramos.

Nesta quinta-feira, o governador Cláudio Castro anunciou um aumento do repasse destinado às escolas da Série Ouro de R$ 10 milhões para R$ 13 milhões, o que vai render pouco mais de R$ 800 mil a cada uma das agremiações. Além disso, o estado ainda vai destinar R$ 1 milhão a cada uma das três escolas mais afetadas pelo incêndio na fábrica de fantasias em Ramos: Império Serrano, Unidos da Ponte e Unidos de Bangu.

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