
Cidade da Policia às escuras, ‘banco’ do tráfico e agentes da prefeitura ameaçados: saiba como o crime afronta as autoridades no Rio
A percepção de que alguma coisa está fora da ordem na área da segurança pública é velha conhecida de todos os cariocas. Ontem e anteontem, quatro episódios deixaram bem evidente, mais uma vez, que os grupos criminosos que atuam na cidade já não têm qualquer pudor em afrontar, desafiar ou simplesmente ignorar as autoridades.
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A Cidade da Polícia — onde funcionam 15 delegacias especializadas e trabalham mais de três mil agentes — ficou sem energia elétrica entre a madrugada e o início da tarde de ontem. O motivo? Furto de cabos, segundo a concessionária Light. À tarde, o prefeito Eduardo Paes foi às redes sociais e expôs uma situação que classificou como “bizarra”. Após pedido de uma entidade de classe de policiais civis, enviou equipe para a retirada de barricadas numa rua da Taquara, na Zona Oeste. Os servidores foram recebidos por homens armados, e o serviço, por óbvio, não foi feito.
As barricadas que foram retiradas pela polícia durante ação na Maré, onde traficantes tinham um ‘banco’ — Foto: Divulgação / Polícia Civil
Na Maré, operação das polícias civis do Rio e do Espírito Santo, com apoio da PM, revelou esquema de extorsão e lavagem de dinheiro de um braço capixaba do Terceiro Comando Puro (TCP), com direito a um “banco paralelo”. Na véspera, um caminhão-cegonha contratado pelo Comando Vermelho foi apreendido em plena Rodovia Presidente Dutra, quando transportava nove veículos roubados para serem revendidos em São Paulo.
Localizada no Jacaré, na Zona Norte, a Cidade da Polícia funcionou até por volta das 13h30 de ontem com fornecimento parcial de energia elétrica graças ao uso de geradores. A falta de luz fez com que os sistemas passassem por instabilidade, o que atrapalhou a rotina do complexo de delegacias. O caminhoneiro Eli Carlos Nazareno, de 46 anos, foi assaltado em dezembro do ano passado na Avenida Brasil e deveria ser ouvido pelas autoridades ontem. Mineiro, mesmo sabendo do problema de falta de energia no local, resolveu esperar, já que não poderia voltar para casa sem resolver a questão.
— Eu fui assaltado, levaram toda a carga, e a inspetora pediu para me ouvir hoje. Cheguei às 8h e estou aqui desde então. Com a falta de luz não estão conseguindo fazer nada. Acontece que sou de Minas, aí tenho que esperar porque não posso ir embora sem dar conta disso — disse.
‘Acredite se quiser’
Assim como Eli, o contador Marcos Paulo, de 52 anos, morador de Rio das Ostras, na Baixada Litorânea, a cerca de 170 quilômetros do Rio, esperava para fazer a vistoria do seu carro, que foi roubado:
— Chegamos aqui às 9h, nos falaram que está sem energia e estão aguardando a empresa sanar o problema, só que até agora nada. Está sendo chato esperar, mas entre ficar aqui e ter que voltar de novo, é melhor aguardar. Fazer o quê, né? — perguntou, conformado.
A entrada do clube da Coligação de Policiais Civil, na Taquara, onde barreiras teriam sido montadas — Foto: Reprodução do Google Maps
O furto de cabos que causou o apagão é investigado pela Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), cuja sede fica… na Cidade da Polícia. Em nota, a Light informou que, de janeiro a novembro do ano passado, registrou 326 casos de furto de cabos, num total de 63 mil metros.
Em vídeo publicado na tarde desta quarta-feira em suas redes sociais, o prefeito Eduardo Paes desabafou após receber ofício da Coligação dos Policiais Civis do Estado do Rio (Colpol-RJ) solicitando “providências quanto à instalação de barricadas de concreto na Rua Pereiro, próximo ao cruzamento com a Estrada da Boiúna, na Taquara”.
A Subprefeitura de Jacarepaguá foi acionada para resolver o problema, mas a situação encontrada no local pelos servidores se mostrou mais complexa do que parecia. Em mensagem enviada a Paes — e exibida pelo prefeito no post, o subprefeito da área relata ao chefe que a equipe se deparou com quatro homens armados com fuzis e pistolas: “Não conseguimos entrar porque estavam apontando a arma em nossa direção, sem condições de chegar perto”.
Em outro trecho, o prefeito demonstra espanto em ter recebido a correspondência justamente de uma associação de policiais civis: “Acredite se quiser (…), achei meio inusitado, porque eu imagino que essa coligação saiba a razão daquelas barreiras estarem lá. Um pouquinho ali na frente tem um monte de traficante que anda de fuzil”.
— É algo inusitado, diria bizarro, você ter barricadas instaladas em vias públicas da cidade. A prefeitura sempre tenta tirar. Mas, quando vem um pedido das forcas policiais para que a gente dê segurança, achei algo kafkiano — disse o prefeito.
Sobre o incidente, a Polícia Civil divulgou nota na qual classifica o caso como “a exposição de uma questão de segurança pública que já vinha sendo tratada pela 32ª DP (Taquara)”. De acordo com a corporação, a “equipe da delegacia recebeu representantes da entidade privada (Colpol-RJ) e, a partir de seu pleito, iniciou o desenvolvimento de uma operação, em conjunto com a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core)”. Acrescentou que repudia a atitude da prefeitura, que, “tendo ciência de que era área conflagrada, não acionou a Polícia Civil ou a Militar, colocando em risco seus servidores apenas para fins político-eleitoreiros”.
À noite, o presidente da Colpol-RJ, Fábio Neira, postou em uma rede social que a prefeitura distorceu a solicitação feita pela entidade, que tem uma área de lazer na Taquara. Segundo ele, o pedido era apenas para “a remoção de objetos que dificultam o acesso ao Clube Campestre em Jacarepaguá, uma questão de ordenamento urbano, sem qualquer pedido de reforço na segurança”.
Até banco eles têm
Já na Maré, a operação Conexão Perdida teve como alvo bandidos capixabas que se estabeleceram no complexo na Zona Norte, de onde extorquiam comerciantes e empresários do Espírito Santo. A estimativa é que o grupo tenha movimentado R$ 43 milhões em apenas um ano.
Sete pessoas foram presas no Rio, entre elas Gisele Lube, suspeita de gerir uma espécie de “banco paralelo”, que teria sido responsável pela lavagem de R$ 27 milhões. A instituição emprestava dinheiro dos traficantes a juros extorsivos para moradores da favela. A dona de uma lotérica usada no esquema também foi presa. O principal alvo da operação, Bruno Gomes, segue foragido.
Durante a ação, criminosos atearam fogo a barricadas para impedir o avanço dos policiais. Por volta das 5h a Avenida Brasil foi fechada nos dois sentidos por cerca de vinte minutos. E os agentes também tiveram que remover obstáculos.
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