Comissão aprova pedido inédito de anistia a dois povos indígenas

Comissão aprova pedido inédito de anistia a dois povos indígenas

2 de abril de 2024 0 Por redacao

A Comissão de Anistia aprovou, nesta terça-feira (2/4), o primeiro pedido coletivo de anistia a dois povos indígenas, os krenak, de Minas Gerais, e os guarani-kaiowá, de Mato Grosso do Sul. As comunidades foram vítimas de perseguição e tortura durante a ditadura militar. Trata-se de um inédito caso de reparação a um agrupamento específico desde a alteração no regimento do colegiado, no ano passado. Até então, a comissão analisava apenas pedidos individuais.

No caso do povo krenak, o autor do pedido foi o Ministério Público de Minas Gerais e a aprovação foi unânime, com os votos favoráveis de todos os conselheiros da Comissão de Anistia. No final, a presidente da comissão, Eneá Stutz, pediu desculpas, em nome do Estado brasileiro, pela perseguição a etnia.

Ajoelhada, a presidente fez o pedido de perdão a Djanira Krenak, matriarca do povo originário. “Peço desculpas não apenas pelo que ocorreu durante a ditadura, mas por tudo que ocorreu nesses 524 anos”, afirmou Eneá Stutz.

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Na prática, a decisão significa a concessão do status de anistiado político aos povos krenak e guarani-kaiowá, mas medida não envolve reparação econômica — concedida em casos individuais. Representantes dos krenak cobraram do governo também essa indenização. O vereador Geovani Krenak, de Resplendor (MG), fez alusão a essa reivindicação em discurso na sessão.

“O pedido de desculpa não pode ser apenas simbólico, é preciso superar essa barreira para que se alcance também a reparação econômica. Os povos indígenas não podem ficar excluídos da política pública de justiça de transição”, afirmou Geovani, que cobrou ainda a demarcação da terra Sete Salões, considerada como território sagrado pelos krenak.

Indígena Krenak sendo carregado em pau de arara por militares

No caso dos guarani-kaiowá, além da condição de anistiados políticos, a relatora do processo, a advogada indígena Maíra Pankararu, incluiu o direito desse povo a acesso a energia elétrica e outros benefícios, como a construção de escolas e quadra de esporte na região onde vivem. A votação também foi unânime.

A Comissão Nacional da Verdade levantou que mais de oito mil indígenas foram mortos e perseguidos pelo regime militar. O número é superior aos 434 de mortos e desaparecidos urbanos, ligados a grupos opositores do regime de exceção.

Ao longo dos anos da ditadura, entre 1964 e 1985, os indígenas sofreram torturas e inúmeras tentativas de desumanização, como prisão arbitrária, trabalho análogo ao escravo e proibição da fala da língua materna. Em Minas, no ano de 1969, foi instalado o reformatório krenak, em Resplendor. A instalação foi comparada a um campo de concentração em relatório da CNV. No local, indígenas de 23 etnias foram presos.

O governo militar, na época, criou a Guarda Rural Indígena, que usou o próprio povo indígena como “soldados”, que reprimiam seus povos e o prendiam em um reformatório, que, na verdade, funcionava como uma prisão desses grupos. Os guarani-kaiowá também foram alvo de remoção forçada articulada pelos militares. Tiveram de deixar suas terras, que não foram demarcadas até hoje.

Além de lideranças e representantes dos povos krenak e guarani-kaiowá, a deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG) também esteve presente na Comissão de Anistia. Durante discurso, a parlamentar afirmou que a análise dos casos representa um momento histórico e que o Brasil demorou demais para reconhecer a sua responsabilidade acerca das violações contra povos originários.

“Quando falam que os povos indígenas são atrasados, é atrasado o Estado brasileiro, que só agora, em pleno 2024, vem pedir perdão aos povos indígenas. É importante pedir perdão, mas é crucial não continuar assassinando os povos indígenas, pois a reparação, neste momento, é pensar na demarcação”, enfatiza.

O julgamento pode abrir caminho para que outras etnias também alcancem reparação histórica. Durante a sessão, os conselheiros ressaltaram a importância da instalação da Comissão Nacional Indígena da Verdade para apurar com profundidade as violações sofridas pelos povos originários. Apenas dez povos indígenas foram estudados pela Comissão Nacional da Verdade, representando 3,3% das etnias existentes no Brasil.

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