Disponibilidade de água pode cair mais de 40% em regiões hidrográficas brasileiras até 2040

Disponibilidade de água pode cair mais de 40% em regiões hidrográficas brasileiras até 2040

24 de março de 2024 0 Por redacao

O ciclo da água está diretamente ligado ao clima. Assim, mudanças no clima que alterem o regime de chuvas podem provocar o aumento da ocorrência de eventos hidrológicos extremos, como inundações e longos períodos de seca.

Esse eventos afetam a oferta de água, ameaçando o suprimento de recursos hídricos disponíveis para consumo e demais atividades: agricultura, geração de energia, atividades industriais, extração mineral, aquicultura, navegação, turismo e lazer, entre outras.

A primeira edição do estudo Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos do Brasil, produzido pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), aponta que a disponibilidade de água pode diminuir mais de 40% em bacias hidrográficas do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e em parte do Sudeste até 2040.

“Com essa redução, existe uma tendência de aumento do número de trechos de rios intermitentes (que secam temporariamente), especialmente na região Nordeste. Essas situações demandam preparação e podem afetar a geração hidrelétrica, a agricultura e o abastecimento de água nas cidades dessas regiões”, aponta o documento, lançado em janeiro deste ano.

Por outro lado, o estudo afirma que o Sul possui uma tendência de aumento da disponibilidade hídrica em até 5% até 2040, mas com uma maior imprevisibilidade e um aumento da frequência de cheias e inundações, como vem ocorrendo na região nos últimos anos.

No Dia Mundial da Água, instituído nesta sexta-feira (22), o Terra da Gente traz os principais pontos do estudo e conversa com o geógrafo e pós-doutor Raul Reis Amorim, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sobre como cenários como esse tendem a afetar os brasileiros.

Segundo a ANA, o tema deste ano para a data foi “A Água nos Une, o Clima nos Move”, em referência à importância da água e do clima como fatores cruciais no cotidiano e futuro das pessoas.

Destaques por região

Centro-Oeste

Dentre as cinco regiões, segundo o estudo, o Centro-Oeste possui certa divergência entre as tendências das projeções dos diversos modelos climáticos, o que traz incertezas nas condições futuras do clima da região.

Ainda assim, afirma que é necessário avaliar a adoção ou não de medidas que considerem possíveis cenários de escassez hídrica.

De acordo com a ANA, o Centro-Oeste é uma região estratégica por ter nascentes de importantes rios – como Tocantins, Araguaia, Paraguai e afluentes formadores do Rio Paraná – e por concentrar grandes áreas de produção agrícola.

Nordeste

No Nordeste, há uma tendência de redução das vazões dos rios e dos volumes médios de chuvas, trazendo uma perspectiva de diminuição da disponibilidade de água da região e intensificação da seca, tanto no Semiárido quanto na faixa litorânea.

Com isso, o documento indica a necessidade de medidas de convívio com períodos de seca mais severos e prolongados, que levem ao aumento da oferta de água e à racionalização dos usos na região semiárida e no litoral nordestino.

Norte

De acordo com o relatório da ANA, o Norte possui tendência de redução nas vazões e volumes médios de chuvas e a perspectiva de secas mais frequentes e intensas nessa região, que abriga grande parte da Amazônia.

Esse quadro requer medidas de gestão da demanda hídrica no Norte, incluindo o aprimoramento da infraestrutura da região para possibilitar a mobilidade para comunidades mais isoladas que dependem da navegação em rios para se locomoverem e serem abastecidas, além de preparação para a proteção dos ecossistemas em um cenário de maior escassez de água.

Sudeste

O Sudeste ainda apresenta certa divergência entre os resultados dos modelos, mas predomina, sobretudo na faixa litorânea, a tendência de redução nas vazões em função da mudança climática, ocasionando a diminuição da disponibilidade de água nas bacias hidrográficas locais.

Como a região concentra a maior população regional e grandes centros urbanos – como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte –, é necessário investir em estratégias de adaptação à mudança do clima, maior eficiência no uso e na gestão de recursos hídricos e ampliação da infraestrutura hídrica para as populações mais vulneráveis.

Sul

Diferente do restante do Brasil, o Sul possui uma tendência de aumento na disponibilidade hídrica. No entanto, há uma tendência de aumento de imprevisibilidade climática na região, com eventos concentrados de cheias e secas.

Em razão disso, a agência indica a adoção de medidas de preparação para oscilações desde excesso de água até a escassez do recurso. Será necessário, ainda, adotar medidas de gestão da demanda hídrica e considerar a questão da infraestrutura de proteção contra cheias.

Efeitos no dia a dia

De acordo com Raul, o estudo do ANA não considera apenas a variabilidade de chuvas nas regiões, que tende a ser cada vez mais irregular, mas também fatores como práticas de gestão das bacias hidrográficas.

“O estudo foi baseado em diversos modelos climáticos, e não um só. A partir deles, modelagens foram desenvolvidas, o que nos fez identificar uma convergência de cenários que permite ao gestor tomar decisões na formulação das políticas públicas”, comentou o diretor interino da ANA, Nazareno Araújo, na live de lançamento do documento.

O geógrafo relembra a crise hídrica vivida no estado de São Paulo entre 2014 e 2015, quando o volume do Sistema Cantareira atingiu 3,6% de sua capacidade.

Nesse cenário, segundo ele, o governo estadual precisou recuperar as áreas nascentes, com programas de pagamento de serviço ambiental, para aumentar a armazenagem do volume de água que se infiltra no solo e vai, lentamente, alimentando os rios.

“É um grande problema do Brasil, ter o escoamento rápido de água para dentro do rio, que é a inundação. Essa água não entra na disponibilidade, porque ela passa pelo rio muito rapidamente e não vai ser apropriada para atividades econômicas se não houver artifícios para armazená-la”, diz.

Como efeito, uma série de serviços e atividades econômicas que diretamente estão associados à água pode ser comprometido, incluindo o fornecimento de energia elétrica, cuja matriz é majoritariamente hidráulica.

“Se você tem menos água, ela vai passar a ser um recurso mais disputado. E, consequentemente, isso vai chegar em muitos serviços, em muitos produtos, aumentando o custo para a sociedade, além de criar problemas de racionamento e abastecimento urbano no futuro”, comenta.

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