Governo promete alívio na conta de luz, mas especialistas têm dúvidas sobre proposta

Governo promete alívio na conta de luz, mas especialistas têm dúvidas sobre proposta

29 de março de 2024 0 Por redacao

O Ministério de Minas e Energia (MME) preparou uma Medida Provisória (MP) para usar os recursos da privatização da Eletrobras para reduzir a conta de luz, na média, em 3,5% neste ano, o que poderia praticamente anular reajustes já previstos. O texto também prorroga um desconto em tarifas para usinas de energia renovável, mas especialistas lançaram dúvidas sobre a eficácia da proposta.

A MP aguarda aval da Casa Civil para ser publicada.

A ideia é usar os recursos de fundos criados com a privatização da estatal para pagar empréstimos tomados pelas distribuidoras de eletricidade, durante o auge da pandemia de Covid-19, em 2020, e a seca que baixou os reservatórios das hidrelétricas, entre 2021 e 2022.

Esses financiamentos, coordenados pelo BNDES e concedidos por diversos bancos, têm o custo repassado aos consumidores, na conta de luz.

O texto que justifica a edição da MP ressalta que “a quitação dos empréstimos promoverá uma redução estrutural, em média, de 3,5% nas tarifas de todos os consumidores já em 2024, equivalente aos custos da tarifa social de energia elétrica e de universalização em 2023”.

De acordo com especialistas consultados pelo GLOBO, isso não significa que a conta de luz ficará mais barata, mas a redução poderá praticamente anular os reajustes previstos para este ano.

Esses aumentos, autorizados todos os anos, ficarão entre 4,5% e 5% em 2024, dependendo da concessionária de eletricidade — cada empresa atua numa área geográfica do país —, estimou Edvaldo Santana, professor titular aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Governo antecipa

O ex-diretor da Aneel explicou que, atualmente, a Eletrobras paga um valor anual ao governo — uma parte dos recursos levantados na capitalização da empresa, numa oferta de ações na B3, em meados de 2022. Com a MP, haverá uma antecipação dessas parcelas anuais.

Segundo uma fonte do setor elétrico, que pediu o anonimato, o governo fará a antecipação, para depois receber os pagamentos parcelados da Eletrobras. Dessa forma, a companhia seguirá pagando exatamente da mesma forma — procurada, a empresa não comentou a medida.

A MP não define quanto poderá ser antecipado, mas, em fevereiro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que pretendia adiantar R$ 26 bilhões. Nos cálculos de Santana, o valor poderia ser de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões.

Para permitir o alívio no preço da conta de luz, a MP mudará o destino dos recursos. Os valores da Eletrobras quitariam a “Conta Covid” e a “Conta Escassez Hídrica”, pelas quais os consumidores pagam, na conta de luz, os financiamentos tomados pelas distribuidoras de 2020 e 2022.

— Na prática, em vez de o consumidor pagar esses encargos, quem vai pagar é o próprio governo através dessa antecipação. É uma queda representativa para o consumidor — afirmou Santana.

Segundo o advogado Tiago Figueiró, sócio das áreas de M&A (fusões e aquisições) e Energia do escritório Souto Correa Advogados, feita a realocação, fica a dúvida sobre como serão custeados os projetos que, inicialmente, receberiam esses valores, como estabelecido na lei que autorizou a privatização da Eletrobras, em 2022:

— A questão é saber como ficarão outros projetos que vão receber recursos da Eletrobras nos próximos anos, conforme acordado na privatização, como os investimentos previstos para a navegabilidade dos rios Tocantins e Madeira, além da integração do Rio São Francisco com outros rios.

Em parte por isso, Clarice Ferraz, professora da Escola de Química da UFRJ e diretora do Instituto Ilumina, vê a nova MP como uma “maquiagem”, uma “manobra” para adiar problemas que levam ao aumento sistemático das tarifas no setor elétrico.

A professora comparou a proposta à MP 579, publicada pelo governo Dilma Rousseff em 2012, que impôs uma redução de tarifas ao setor elétrico com a renovação antecipada de concessões de usinas geradoras.

— A queda teve pouca duração e houve ainda um agravamento da crise do setor. Não se pode mais fazer dessa forma. O setor chegou a um esgotamento do seu modelo. Não se faz isso por MP ou por pedaços — disse a diretora do Instituto Ilumina, ressaltando que a antecipação poderá deixar outras despesas descobertas. — Essa MP não conversa com os projetos do governo.

A proposta do MME também procura aliviar as contas de luz no Amapá. Em novembro, a Aneel aprovou um reajuste de 44,41% na conta de luz da concessionária que no estado. A decisão acabou sendo suspensa pelo Judiciário e foi adiada em 45 dias pela própria agência em dezembro do ano passado.

Desconto prorrogado

Além disso, a MP trata das linhas de transmissão do Nordeste e estabelece um prazo adicional de 36 meses, para usinas de energia renovável, como eólica e solar, receberem desconto nas tarifas de uso da rede geral de transmissão de eletricidade.

Uma lei de 2021 determinou o fim gradativo desses descontos. Com a MP, as empresas terão mais três anos para construir usinas com a garantia de ter o desconto. Em contrapartida, deverão apresentar uma “garantia de fiel cumprimento”, no valor de 5% do empreendimento.

Segundo a área técnica do MME, a prorrogação do desconto vai gerar R$ 165 bilhões em investimentos e mais de 400 mil empregos, mas Figueiró, do Souto Correa Advogados, ponderou que o prazo adicional poderá levar a mais encargos na conta de luz.

— É preciso fazer a conta para saber se isso pode, de certa forma, anular a antecipação dos recursos da Eletrobras na MP, já que quando uma empresa deixa de pagar os encargos, o custo é repartido pelos outros consumidores — disse Figueiró.