Só 0,5% do orçamento da Aneel foi para a fiscalização em 2023

Só 0,5% do orçamento da Aneel foi para a fiscalização em 2023

11 de abril de 2024 0 Por redacao

Os problemas recorrentes de fornecimento de energia na cidade de São Paulo têm levantado discussões sobre a eficácia da regulação e da fiscalização do setor no Brasil, tarefas que nacionalmente ficam sob responsabilidade da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Levantamentos feitos ao longo dos últimos anos por órgãos como a CGU (Controladoria-Geral da União) apontam a necessidade de uma série de aperfeiçoamentos para que a capacidade do órgão seja fortalecida. Entre eles estão a melhora do orçamento, que em 2023 só destinou 0,5% dos recursos para fiscalização, e aumento no número de servidores –que vem caindo de forma contínua desde 2014, de 730 naquele ano para 558 em 2024.

Um dos relatórios da CGU, feito em parceria com o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unops) em 2020 e intitulado “Projeto de Avaliação da Capacidade Institucional para a Regulação”, destaca ainda o orçamento da Aneel como um dos entraves para a fiscalização de empresas e o correto funcionamento do serviço de teleatendimento aos consumidores.

Em 2023, a agência teve um orçamento de quase R$ 5,1 bilhões. Desse total, R$ 1,9 bilhão foi para a Conta de Desenvolvimento Energético, R$ 1,8 bilhão para a compensação de uso de recursos hídricos e R$ 1,1 bilhão para o pagamento da cota-parte da compensação pela usina de Itaipu.

Ou seja, 92% do total representam pagamentos que não contribuem diretamente para as atividades de regulação da Aneel

Dos R$ 329 milhões restantes, R$ 168 milhões vão para o pagamento dos salários dos servidores e R$ 54,9 milhões para gastos de administração da agência reguladora. Só R$ 23,6 milhões foram para a ação orçamentária de fiscalização do setor (ou 0,5% do total).

Enquanto isso, os autos de infração feitos pela agência têm caído desde 2021. Naquele ano foram 214, contra 157 em 2022 e 72 em 2023. A agência tem adotado uma política de negociação com as empresas, em vez da multa, por entender que o processo é menos conflituoso e mais eficaz.

Uma das apurações que a Aneel precisa fazer agora diz respeito à capacidade de fornecimento da Enel, responsável pela distribuição de energia na cidade de São Paulo, devido aos apagões recentes na capital paulista e ao “histórico de falhas e transgressões”. A análise, encomendada pelo Ministério de Minas e Energia, pode levar à caducidade do atual contrato da empresa.

Desde 2018, a Enel foi autuada em mais de R$ 700 milhões em multas e compensações financeiras por falhas nos serviços, uma média de R$ 100 milhões em punições por ano.

“A empresa pagou parte das multas aplicadas pela agência reguladora neste período, totalizando até o momento cerca de R$ 55 milhões. Outras encontram-se em fase de recurso, seguindo trâmites normais do setor”, diz nota da companhia.

Benedito Cruz Gomes, diretor da Associação dos Servidores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Asea) e especialista em regulação da Aneel, afirma que a fiscalização e outras atividades da agência ficam comprometidos pelo que chama de sucateamento, em especial na carreira. Para ele, os baixos salários têm afastado servidores e prejudicado a transmissão interna de conhecimento técnico.

“Cada apagão que a gente vê, cada problema de energia, é frustrante na alma na gente porque a gente trabalha tanto e não está conseguindo [dar conta] por falta de pessoal”, diz. “Às vezes tem problemas essenciais para o país que são tocados por um servidor. Se o cara sair ou ficar doente, fica paralisado o processo”, afirma.

Ele diz que o corpo técnico é o maior patrimônio do órgão e que as agências reguladoras são grandes geradoras de recursos aos cofres públicos. “Estão tentando economizar onde não faz sentido. É uma economia que não é racional, não tem lógica”, afirma.

Entre especialistas da área de energia, são levantadas ainda outras fragilidades na agência. É comentado em caráter reservado que a Aneel tem um corpo técnico forte, mas com uma cúpula contaminada por interesses políticos e empresariais.

Um ex-ministro ouvido pela Folha afirma que o processo de captura já começa no processo de escolha dos diretores, muitas vezes por indicação do Congresso, e que a situação se agrava porque o setor de energia é complexo e dominado por lobbies bem estruturados. Por isso, a avaliação é que o fundamental seria escolher diretores com competência técnica e que tenham como missão fundamental fazer as melhores escolhas para o consumidor.

Folha Mercado

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Procurada, a Aneel não se manifestou até a publicação deste texto.

Joisa Dutra, diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri) e ex-diretora da Aneel, afirma que a agência funciona e que não tem evidências de que o papel dela esteja ligados aos problemas em São Paulo. Ela afirma que a Aneel tem um acordo em São Paulo para parte da fiscalização do setor com a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo), vista por Dutra como um órgão com tradição e experiência.

Por outro lado, ela afirma que análises feitas por ela sobre o setor têm apontado a necessidade de revisão dos instrumentos legais de regulação. “Existe uma transformação em curso no setor, que tem se tornado mais complexo, com mais participantes e com aumento da frequência da severidade de eventos climáticos extremos. É claro que um setor mais complexo e sujeito a mais riscos precisa de atualização”, diz.

“Uma regulação preparada para esses tempos que demandam resiliência. Tem que gerar incentivos para que as empresas invistam para tornarem mais robustas suas redes e sua infraestrutura para enfrentar esses eventos”, afirma.